Descripción:
Entre julho de 2002 e agosto de 2003 realizei a observação participante em um
centro especializado de tratamento às dependências químicas de um grande hospital do
Recife, praticando a psicoterapia com os pacientes e convivendo com seus demais
terapeutas colegas psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais.
Durante seis meses, também como experiência de campo, freqüentei os espaços de
moradia e lazer de um grupo de usuários de drogas, que não estavam em tratamento, os
quais denominei de impacientes . Os objetivos da pesquisa incluíam investigar as interrelações
simbólicas entre os grupos. Os frutos etnográficos e as prerrogativas do método
escolhido no âmbito dos estudos do imaginário levaram-me a conceber a dissertação
no formato de romance, que se pretende polifônico, inspirado no sentido que Bakhtin
atribui ao romance de formação do sujeito e de seu contexto. Os usuários de drogas com
os quais dialoguei me parecem plurais como seus usos, motivações e reações que
também expressam uma positividade que se abre à imaginação embora se apresentem
vulneráveis a dinâmicas psicopatológicas, construídas nas trocas simbólicas com seu
contexto sociocultural. Procurei descrever como os saberes-poderes que amparam certas
práticas supostamente terapêuticas podem repercutir dois arquétipos complementares
estudados por Gilbert Durand: a mancha e a marca. Em uma conjunção experimental da
antropologia, psicologia, psicanálise e literatura, o que pretendi não foi oferecer uma
imagem do drogado ; mas penso ter desvelado parcialmente um caleidoscópio de
imagens do sujeito usuário de drogas, que curiosamente se confunde com as injunções
de nosso cotidiano pós-moderno: os usos de drogas podem ser vistos como maneiras de
estar no mundo, expressões do sujeito humano no mundo, ou seja, derivativos de nossa
condição humana. Diante dos dados da pesquisa e de minha análise, os paradigmas
decorrentes de uma visão esquizomórfica no tratamento de pacientes usuários de drogas
mostram-se cientificamente questionáveis, politicamente determináveis, moralmente
estigmatizantes e terapeuticamente ineficazes